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Agência de Jornalismo das periferias

Talita Romão/Divulgação

Por: Samuel Ravih

Notícia

Publicado em 12.08.2025 | 18:29 | Alterado em 12.08.2025 | 18:29

Tempo de leitura: 3 min(s)

Para Maria José, 32, ser artista nas periferias é “acordar antes do sol nascer. É vestir a roupa de viver sem deixar os sonhos na cama”. Moradora de Parelheiros, no extremo sul de São Paulo, ela lidera o Núcleo P.A.R.E.L.H.A, coletivo que pesquisa e encena histórias do território.

A relação dela com o teatro começou na adolescência, no Campo Limpo, também na zona sul, ao conhecer o programa de teatro vocacional. Aos 15 anos, integrou a Trupe Artemanha de Teatro, onde teve contato com o teatro de rua.

“Meus primeiros mestres, Antônio Salvador e Luciano Santiago, despertaram em mim o desejo de seguir nas artes.”

Maria José, atriz em performance durante a apresentação @Massashi Saito/Divulgação

Aos 19, conciliava um estágio em uma empresa de câmbio com a vontade de se profissionalizar e foi aprovada na Escola Livre de Teatro, em Santo André, na Grande São Paulo, onde estudou por quatro anos e meio. “Ali compreendi que, para viver de arte, precisava também entender as políticas públicas da cidade.”

A história de um coletivo que nasce da laje

O Núcleo Parelha nasceu a partir de um encontro “real, afetivo e político” entre duas artistas periféricas formadas pela Escola Livre de Teatro: Maria José Alves e Dionísia Gonçalves.

Vivendo juntas em uma casa no distrito de Parelheiros desde 2019, elas se depararam, em 2020, durante a pandemia, com a construção de um muro na laje onde moravam: uma imposição da vizinha que, para além do concreto, simbolizava a negação do direito de olhar, respirar e existir em liberdade.

A provocação “do que é feito um território?” emergiu desse muro físico e simbólico. Assim nasceu “PARELHA – Um olhar sobre a Realidade”, espetáculo teatral e audiovisual que reúne dramaturgia inédita, música autoral e histórias reais do bairro.

A artista no espetáculo teatral, ‘PARELHA – Um olhar sobre a Realidade’ @Noelia Najera/Divulgação

Para Maria, o teatro que fazem é de urgência, com perguntas que a história oficial não respondeu.

No espetáculo mais recente, a história de Parelheiros é contada pela ótica dos habitantes originários, ressignificando o nome do território, originalmente relacionado a corridas de cavalos. “Não somos cavalos ensinados a andar em parelha”, defende a apresentação. “Queremos a visão indígena. Queremos que os alunos se perguntem todos os porquês que tiverem.”

Os desafios que moldam a cena

Ser artista periférica é enfrentar barreiras que vão além do palco. A autogestão no coletivo é formado por 16 artistas, exige planejamento, escuta e afeto. Maria é quem escreve os projetos para editais.

“Ouço cada integrante para que todos se sintam representados. Gestão de pessoas precisa de sinergia.” Ela também critica a limitação do acesso a políticas culturais. “Faltam curadorias, mentorias e diálogo com o poder público. Em Parelheiros não faltam artistas.”

A peça narra a história de Parelheiros e dos povos originários que viveram na região @Talita Romão/Divulgação

Entre as poucas políticas públicas que fortalecem artistas periféricas, Maria cita o Programa de Fomento e a Casa da Mulher (CRCM). Mas reconhece que, fora dos editais, seguem as batalhas por recursos e articulação.

“Uma ideia maravilhosa ainda é só uma ideia. Para sair do papel, precisa de contratações locais, editais menos burocráticos, incentivos vindos dos próprios espaços públicos.”

Arte que brota do território

O grupo apresenta atualmente o espetáculo “Parelha – um olhar sobre a realidade”, viabilizado pelo Programa de Fomento à Cultura da Periferia, além do projeto Núcleo Chão(s) de Teto(s), com oficinas e aulas abertas no bairro. Em breve, se preparam para virar história em quadrinhos, em parceria com a equipe da Molotov.

A iniciativa também promove visitas mensais a centros culturais do centro da cidade, num deslocamento simbólico que provoca: por que o caminho quase sempre precisa ser periferia–centro, e não o contrário?

Por outro lado, Maria reconhece que o fazer artístico enfrenta o estranhamento do próprio território.

“Damos aula na laje aos domingos e ouvimos: ‘Por que estão dançando às 10h da manhã?’ Mas o Núcleo Parelha é um espaço de reinvenção. Às vezes sinto que estou atrasada, mas olho para o nosso chão de teto e respiro. A luta só começou.”

Para as jovens mulheres que sonham com a arte, Maria deixa um recado. “Que sua luta não seja apenas pelo resultado final. Que seja propósito.”

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Samuel Ravih

Cineasta, músico e comunicador de Parelheiros, periferia da zona sul de São Paulo. Vencedor do Prêmio Pretas Potências e indicado ao Vídeo Music Festival 2023.

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