Por: Kaliny Santos
Notícia
Publicado em 19.06.2025 | 8:22 | Alterado em 18.06.2025 | 17:25
Nos últimos 20 anos, os bailes de reggae em Osasco, na Grande São Paulo, vêm se firmando como espaços de comunicação e expressão. Além da música, as festas se tornaram plataformas de resistência cultural e de oportunidades para quem quer empreender nas quebradas, por meio de eventos e feiras ligadas ao movimento.
É nesse campo do empreendedorismo que o coletivo Thunder House, da Vila Menk, zona norte da cidade, encontrou uma maneira de impulsionar iniciativas locais. A proposta do grupo é promover novas oportunidades de redes de apoio para fortalecer a economia local e ampliar a visibilidade cultural da região.
Formado por oito pessoas, o coletivo organiza festas com o tema reggae no formato sound system, tendo como foco a educação, valorização e elevação da música, das artes e da cultura em geral.
Os eventos buscam criar um ambiente acolhedor e diverso, com brechós, vendas de artesanatos, exposição de quadros, fotografias e até montam espaços com brinquedos para as crianças.
Eduardo Vieira, do Thunder, com a bandeira do coletivo que leva para expor nos eventos @Kaliny Santos/Agência Mural
Produtor cultural do coletivo, Eduardo Vieira, 31, trabalha com produção de eventos voltados ao reggae há 8 anos e participa do movimento há 12 anos. Ele explica que o grupo surgiu de encontros com colegas. “A gente começou a se interessar por discotecagem e a aprofundar no reggae”, diz.
A estrutura dos bailes envolve a montagem de um conjunto de caixas de som que, juntas, formam uma parede sonora, conhecidos como sound system. Esse “rádio móvel” não apenas amplifica a música como também carrega informação e cultura por onde passa.
Eduardo explica que no coletivo a equipe de produção aumenta dependendo do tamanho do baile, possibilitando que cada vez mais gire o capital financeiro na região. “A gente contrata conforme os bailes. Muitas vezes chamam a gente pra tocar também em alguns lugares, então levamos nosso DJ, a galera que monta o som, e todos os produtores”.
Também morador de Osasco, Gustavo Albuquerque pesquisa reggae na Universidade Estadual de Campinas. Ele ressalta que os bailes movimentam a economia local e ajudam ambulantes que dependem das vendas para sustentar suas famílias.
Caturama, empreendedora e fotógrafa, produz arte autoral em vinil reciclados @Kaliny Santos/Agência Mural
Produtos de expositores convidados são comercializados durante os eventos; a iniciativa faz parte dos planos do coletivo de realizar uma feira de empreendedorismo no futuro @Kaliny Santos/Agência Mural
Brechó de Camila Ducci gera renda com moda circular em eventos do coletivo @Kaliny Santos/Agência Mural
Venda de acessórios artesanais ganham espaço em eventos e bailes @Kaliny Santos/Agência Mural
Para Eduardo, o negócio pode ir além e alcançar outros negócios. “Meu sonho é ter uma feira de empreendedores, com muita arte e música aqui na região. Ter eventos para crianças, lugar onde todos possam ir para passear e comprar de empreendedores locais”, diz o produtor.
Sound Systems
Os sound systems surgiram na Inglaterra, durante a Revolução Industrial, em um momento de avanço tecnológico que possibilitou o desenvolvimento da profissão de técnico de som, fundamental para produções de shows e espetáculos. Na Jamaica, começaram a surgir, nessa época, os shows de bandas de R&B, e a ideia de investir em um sistema de som e um DJ para animar as festas se tornou uma alternativa mais rentável.
Um dos eventos conhecidos da cidade é na favela da Brahma, localizado próximo à comunidade do Ribeirão Vermelho, região com mais de 40 anos de existência onde houve processo de desapropriação com demolição das residências na gestão do ex-prefeito Rogério Lins, em 2023. O baile é também realizado pelo Thunder House.
Para muitos, os bailes de reggae representam mais do que um espaço de lazer — são um ambiente de aprendizado, pertencimento e resistência.
“É um ambiente seguro para os homens negros. Aprendi muito no movimento, como me portar, me relacionar com os outros e como dançar. A música me acalma, me ajuda a me reconhecer e entender que o reggae é uma forma de combater e resistir dentro da cena musical”, compartilha Gustavo.
Ele também cita que o movimento também enfrenta resistências, mas é menos visado do que outros estilos, como o funk. “Existe preconceito, claro, mas a repressão é bem menor”, afirma.
Aparelhos como esta mesa de som ajudam DJs a mixar e manter a energia dos bailes @Kaliny Santos/Agência Mural
Atualmente, não existe um levantamento oficial que determine o número exato de sound systems em Osasco. Porém, a cidade possui uma cena ativa. Entre os coletivos e sistemas de som conhecidos na região estão:Conexão das Rudes, Athletic Dub, Brazilian Sound Systems, Bonança Sound Systems, e o famoso Bar do Super Minas, que fica no bairro Metalúrgicos.
Para Gustavo, a ideia de que o estilo chegou primeiro pelo Maranhão é um dito popular que, de tanto ser repetido, acabou se tornando verdade. “Essa versão foi se consolidando culturalmente e assim se comprovando como uma ciência social”, pontua.
Ele explica que os navios do Caribe se enconstavam próximo ao cais no porto de São Luís, no Maranhão, e que os marinheiros trocavam discos de vinil por serviço de prostituição. “Esses discos foram sendo tocados nessas casas, e de uma maneira meio orgânica, assim, tornando meio popular”, explica.
Os primeiros paredões eram construídos de maneira mais simples, com amplificadores e uma quantidade de alto-falantes @Kaliny Santos/Agência Mural
Com o tempo, o reggae passou de um gênero pouco conhecido no Brasil para um dos ritmos mais importantes e escutados pelas periferias.
O primeiro Sound System oficialmente conhecido surgiu em 2001, no bairro da Pompeia, região da Subprefeitura da Lapa, zona oeste de São Paulo, realizado pelo coletivo DubVersão Sistema de Som. Essa iniciativa começou a realizar bailes de reggae tanto no centro da capital quanto nas periferias da Grande São Paulo.
Jornalista e pós-graduada em Direitos Humanos pela Unifesp, atua como analista de comunicação pleno no Instituto Jatobás. É correspondente de Osasco, na Grande São Paulo, desde 2022.
A Agência Mural de Jornalismo das Periferias, uma organização sem fins lucrativos, tem como missão reduzir as lacunas de informação sobre as periferias da Grande São Paulo. Portanto queremos que nossas reportagens alcancem outras e novas audiências.
Se você quer saber como republicar nosso conteúdo, seja ele texto, foto, arte, vídeo, áudio, no seu meio, escreva pra gente.
Envie uma mensagem para [email protected]