Jucinara Lima/Agência Mural
Por: Jucinara Lima
Notícia
Publicado em 03.06.2025 | 17:12 | Alterado em 03.06.2025 | 18:06
Há 17 anos, Alessandra Reis, 39, atua com a cultura na Cohab Taipas, bairro periférico da zona norte de São Paulo. Uma das especialidades dela é o maracatu, manifestação cultural do Nordeste, com raízes africanas e indígenas. Porém, a apresentação do ritmo para crianças do bairro já esbarrou em resistências na região.
“Já sofri preconceito e perseguição. Perdi vários alunos, porque [uma pessoa] propagava que minha aula era de ritmos ligados à religião de matriz africana”, conta.
Ela chegou a fazer um boletim de ocorrência para que entendesse que não estava praticando crenças religiosas e sim repassando saberes culturais. “Sei o que estou plantando. Quero que a galera do bairro aqui de Taipas conheça o carnaval e o maracatu por inteiro: teoria, ritmo, dança, cortejo, customização”.
Alessandra, ensina dança do maracatu às crianças do CEU Taipas @Jucinara Lima/Agência Mural
O maracatu é apenas parte da atuação da professora, mãe solo de Kaue, 20, e Benedito, 12, que é estudante de educação física, apoiadora de um projeto de futebol para crianças e adolescentes e massoterapeuta.
Há oito anos, ela atende pessoas a partir de 18 anos, com foco na massagem como ferramenta para melhorar a saúde e bem-estar.
Inspirada por saberes da avó e bisavó, passou a produzir os próprios óleos, com ervas medicinais, e utilizá-los nos atendimentos que faz à domicílio. São saberes que misturam cuidado, fé e ancestralidade.
Acompanha de perto, há dois anos, a recuperação de uma mulher de 45 anos que teve um lado do corpo paralisado por um AVC (Acidente Vascular Cerebral), também conhecido como derrame.
“A melhora dela me emociona até hoje. Saber que, através das massagens e exercícios que desenvolvi com meu trabalho, ela conseguiu recuperar os movimentos do lado paralisado”, afirma.
Óleo artesanal usado nas clientes para massagens @Jucinara Lima/Agência Mural
Criada pela madrinha, aos 18 anos, teve o primeiro filho e enfrentou algumas dificuldades pessoais: depressão pós-parto, abuso psicológico e físico por parte do companheiro na época.
Quando decidiu sair dessa situação, teve que lidar com perseguições do ex-companheiro e a ausência de uma rede de apoio para ajudar com os cuidados do filho. Até que achou nos estudos um caminho a seguir.
Começou a estudar a cultura popular brasileira aos 22 anos, com incentivo de amigos que já atuavam no projeto “Abaçaí Cultura e Arte”.
Foi lá que aprendeu sobre o balé folclórico e o maracatu, tendo contato direto com mestres, inclusive o professor Toninho Macedo, dançarino e criador do projeto, que foi encerrado.
A artista em apresentação de dança @Arquivo pessoal/Divulgação
Também estudou no Projeto Calo na Mão, de 2007 a 2011. Levava o filho mais velho com ela em algumas aulas. Encontrou no espaço acolhimento e ajuda dos amigos com o filho, enquanto podia adquirir mais conhecimento e levar o aprendizado para o bairro.
Passou a apresentar o maracatu para a comunidade da Cohab de Taipas, na “Rua da Lama” , uma via sem saída que fica próximo da casa dela. Se reunia com os amigos e começava a tocar ao ar livre.
Aos poucos, começou a chamar atenção da comunidade. O grupo passou a ensinar as crianças a tocar.
“Tinha um morador que perguntava: ‘posso tocar?’”, conta. “Teve também um pai de aluno que até comprou instrumentos, Alfaia/caixa e Agbê para os filhos participarem com a gente aos fins de semana. Depois acabou doando os instrumentos para nós”, lembra Alessandra.
A alfaia é um tambor de percussão utilizado no maracatu; e o agbê (também conhecido como xequerê ou abê) é um instrumento de percussão de origem africana, feito de cabaça com contas, usado em diversas tradições culturais no Brasil, incluindo afoxés e maracatus.
Com a segunda gestação, a artista resolveu pausar as apresentações de dança. Logo, começou a fazer parte do Ame Carnabronks, uma associação de serviço social na Cohab Taipas.
Nesse espaço, promoveu eventos como saraus, desfile de bloco carnavalesco, aulas de instrumentos de percussão, além de futebol para as crianças.
Treino com o time mirim Carnabronks @Arquivo pessoal/Divulgação
Ela passa os treinos de aquecimento e alongamento para o time mirim, em uma pequena quadra também localizada na rua da lama. “Quero que eles se sintam à vontade e possam contar comigo sempre. Se precisarem de alguém para conversar, estarei lá”, diz ela.
O nome Carnabronks surgiu de uma ideia de um amigo chamado Danilo, uma junção de nomes entre “Carnaval” e “Bronks” fazendo referência a um distrito de Nova Iorque conhecido pela diversidade cultural.
Quando o filho caçula cresceu e teve mais autonomia, resolveu voltar à dança. Há cerca de quatro anos, retornou com as aulas de danças brasileiras no CEU Taipas (Centro Educacional Unificado) para pessoas da terceira idade e crianças de 5 e 6 anos.
Com um olhar que vai além da técnica, ela procura trabalhar com ritmos como o maracatu, maculelê e carimbó, para que os alunos possam se expressar por meio do som e dos movimentos corporais.
“Quero valorizar nossa cultura brasileira, o trabalho coletivo e criar espaços livres de preconceito”, afirma.
Os alunos aprendendo as danças brasileiras com a professora Alessandra, no CEU Taipas @Jucinara Lima/Agência Mural
Alessandra sonha com mais adultos e crianças conectados pela cultura das danças brasileiras, compartilhando vivências e formando redes.
“A superação é muito mais do que romantizar minha história. Eu sei que sou uma só. Mas quero encontrar outras pessoas que me ouçam e que eu possa ouvi-los também. Porque é isso: apoio, luta, resistência e pertencimento.”
Artista visual, Fotógrafa, com atuação voltada à documentação visual de territórios periféricos e do futebol de várzea. Idealizadora do “Juh na várzea”, mãe de duas meninas, ama futebol e resenhar entre amigos.
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