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Ponto a Ponto

Tarifa de ônibus em Poá sobe para R$ 6,30 e se torna a mais cara da Grande SP

Em janeiro, a Prefeitura informou que não haveria reajuste para esse ano, mas teve de voltar atrás após decisão judicial

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Egberto Santana/Agência Mural

Por: Egberto Santana

Notícia

Publicado em 19.08.2024 | 14:41 | Alterado em 19.08.2024 | 15:59

Tempo de leitura: 6 min(s)

No dia 12 de agosto, os moradores de Poá foram pegos de surpresa ao entrarem nos ônibus da cidade. Um papel branco colado no apoio que fica antes da catraca anunciava a mudança do valor da passagem: R$ 6,30. Um acréscimo de R$ 1,00 na tarifa unitária do transporte público da menor cidade do Alto Tietê, de apenas 17km, na Grande São Paulo.

A medida contraria o anúncio da prefeitura do dia 15 de janeiro, que informava que não haveria reajuste nas tarifas comuns e escolares em 2024. Com a alta, a cidade passou a cobrar mais do que São Bernardo do Campo, onde o preço é R$ 5,95 para linhas municipais,

A gestão municipal alega, em anúncio no dia 6 de agosto no Diário Oficial, que o aumento visa “o equilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão do transporte coletivo” e que responde a inquérito do Ministério Público que pedia pela igualdade de valores entre o Vale Transporte e a tarifa comum.

A Agência Mural apurou que houve duas denúncias de que a diferença entre os valores do VT e da tarifa normal viola a lei 7.418/1985, que estabelece que as empresas de ônibus devem fornecer os mesmos valores para as duas tarifas. As denúncias foram feitas pelo vereador Beto Melo (PSD) e por Anselmo Souza Rosa dos Santos.

Passageiros fazem fila no início da manhã para pegar o ônibus na Nova Poá, em Poá @Egberto Santana/Agência Mural

O aumento impactou principalmente os moradores de regiões periféricas. Professor de ciências humanas na rede pública, Eron Alves, 36, pega o ônibus no Jardim Nova Poá duas vezes por semana, para ir até o centro da cidade.

O trajeto de 3km leva em torno de 30 minutos e o tempo de espera, vai de 30 a 40 minutos. O longo tempo de espera prejudica também o filho de Eron, que é autista, ocasionando crises na volta pra casa.

‘O aumento de tarifa é um escárnio, tendo em vista o tamanho da cidade e o km rodado, sequer existe uma ligação de ônibus que atenda os extremos da cidade de leste a oeste de norte a sul’

Eron Alves, professor da rede pública

Ele também compara com o serviço de Ferraz de Vasconcelos, cidade vizinha, que é feito pela mesma empresa, a Alto Tietê Transportes, mas com frotas que possuem ar-condicionado.

Relato semelhante foi dado por Sheila Silva Reis, 47, moradora do Jardim América que também possui um filho autista. No dia a dia, ela o leva para a escola, no centro da cidade.

O aplicativo do ônibus usado por ela indica intervalo de 20 minutos entre os ônibus da linha Circular 2, mas, na prática, a espera chega a 35 minutos, em um trajeto de 2km. “Ou pego o ônibus cedo demais e fico esperando a escola abrir, ou chego correndo com o portão quase fechando”, afirma a diarista.

No retorno da escola, fora do horário de pico, o intervalo chega a 40 minutos, fora a imprevisibilidade dos horários. Para levar o filho até a terapia, em Ferraz de Vasconcelos, ela tem que gastar com aplicativos de transporte para não correr o risco de perder alguns minutos do tratamento. “É um trajeto tão curto, para um transtorno tão grande”, desabafa.

Sheila também se desloca até Nova Poá (6km) três vezes por semana. Nas duas primeiras, à trabalho, leva cerca de 1 hora e 30, e aos domingos, para visitar os pais, precisa sair às 9h de casa para chegar na hora do almoço.

“Se for para ficar nesse valor no mínimo teria que ter integração, acho um absurdo pegar 2 ônibus para ir do Jardim América até Nova Poá/São José”, argumenta ela.

O tempo de espera também afeta quem utiliza o ônibus para lazer, que é o caso de Lucas Lima Rocha, 26, operador de telemarketing e morador do bairro Vila Júlia (1 km até o ponto de ônibus mais próximo), que relata um tempo de 40 minutos a uma hora, após o horário comercial, em fins de semana ou feriados.

Moradores de Poá foram pegos de surpresa com o valor da tarifa do ônibus municipal @Egberto Santana/Agência Mural

“Em alguns momentos, chego atrasado nos compromissos ou tenho que chamar um carro de aplicativo para chegar a tempo, assim acabo gastando mais”, conta ele, que também destaca a ausência de acessibilidade em alguns ônibus da cidade como um dos problemas do sistema.

Preço alto, trajeto curto

De acordo com os dados do IBGE de 2022, Poá possui 17,264 km² e uma população residente de 103.765 habitantes. São quatro linhas de ônibus que atendem a população, geridas pela Alto Tietê Transportes, o Circular 1 (Via Perracini), o Circular 2 (Via Hospital), o Nova Poá/São José (Via Estação) e o Raspadão/Estação Poá (Via Jd. Emília).

Essas características fazem com que, junto do valor da tarifa, na visão de Lucas Landin, 28, mestre e professor de políticas Públicas na Etec Cepam, o sistema de transporte público em Poá seja um dos piores do Brasil, moldado para dar lucro para a empresa e não para servir o cidadão.

O especialista possui um histórico particular. Morou por cerca de 15 anos no limite entre Poá e Itaquaquecetuba, estudou políticas públicas na UFABC (Universidade Federal do ABC) e se especializou no estudo do transporte público, com foco nas experiências da Tarifa Zero.

A motivação veio justamente pelos anos em que lidou com a falta de acesso aos equipamentos públicos da cidade e ter visto pessoas sem condições de pagar um trem ou um ônibus, o que levava a uma divisão muito grande da cidade, entre quem podia ou não pagar.

“Eu morava muito afastado de todas as oportunidades que a cidade dispõe”, relembra ele, que hoje é membro do CMTT (Conselho Municipal de Trânsito e Transporte de São Paulo).

“Em muitos lugares de Poá não passa ônibus municipal. Por que que não passa? Porque ‘eu sei’ que a pessoa está disposta a andar para pegar o ônibus. Poá é uma cidade muito pequena, e 90% da cidade é uma área urbana, mas a gente não tem linhas de ônibus em muitos dos bairros de Poá.”

A prefeitura de Poá fez o reajuste na semana passada @Egberto Santana/Agência Mural

O professor argumenta que caso houvesse um sistema que cobrasse por quilômetro poderia ser mais justo e eficiente. Nesse modelo, a empresa seria paga por operar uma linha específica, independentemente do número de passageiros. Isso garantiria o direito ao transporte para todos, além de manter o lucro das empresas e permitir uma tarifa mais baixa.

Tarifa Zero em Poá

Uma outra alternativa para a cidade de Poá é o sistema da tarifa zero, no qual não há pagamento do usuário e o custeio do transporte é feito de outras formas, como publicidade, por exemplo.

Em 2023, um projeto de lei 188/2023 do vereador Diogo Pernoca (Podemos) pretendia instituir esse sistema na cidade, foi votado no plenário com maioria simples, mas foi vetado pela prefeita Márcia Bin (PSDB). O problema é que o projeto não explicava de quais recursos sairiam o custeio para o programa e para ser feito precisaria ser proposto pela própria prefeitura.

Agora, Diogo é candidato a prefeito na cidade e mantém a ideia do Passe Livre na cidade e é o único dos quatro nomes na disputa que mencionam algo nesse sentido no plano de governo.

Para Landin, por mais que a cidade tenha condições de inverter o contrato e instalar o Passe Livre na cidade, “é importante também pensar em formas de garantir financeiramente a tarifa zero, para que não vire só uma proposta eleitoreira e vire algo concreto, algo real que a gente consiga fazer”.

O que diz a prefeitura

Em nota enviada à reportagem, sobre os relatos dos moradores e alternativas contrárias ao aumento da tarifa, a prefeitura, por meio da Secretaria de Transportes e Mobilidade Urbana de Poá informou que seguiu recomendação do Ministério Público do Estado de São Paulo” e que, adequou as tarifas do transporte coletivo municipal nos termos do art. 5º da Lei 7418/85; e em atendimento ao termos previstos no contrato de concessão nº 261/2011, cláusula 4, que estabelece o reajuste da tarifa”.

“A Setrans, em seu parecer técnico, sugeriu que o reajuste da tarifa seja mantido, conforme proposto pela empresa concessionária, no valor de R$ 6,30 a todos os passageiros, e em R$ 3,15 aos estudantes”, diz a nota.

A Alto Tietê Transportes não respondeu às solicitações da Agência Mural até a publicação desta reportagem.

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Egberto Santana

Jornalista, também é crítico de cinema e redator. Sempre ouvindo ou assistindo alguma coisa, do novo ao velho, do longa-metragem ao reels do Instagram ou Tik Tok. Correspondente de Poá desde 2021.

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