Leu Britto/Agência Mural
Por: Bárbara de Aguiar, Ester Nascimento, Mirela Costa e Sarah Kelly
Notícia
Publicado em 09.09.2025 | 14:49 | Alterado em 09.09.2025 | 19:07
No distrito Rio Pequeno, na zona oeste da capital, a falta de ônibus disponíveis e os frequentes atrasos são obstáculos para o funcionamento do Domingão Tarifa Zero. A demora no transporte é um problema recorrente durante a semana e se intensifica aos domingos.
Membro do Comitê de Mobilidade e Transporte do Butantã e moradora do bairro há 25 anos, Juliana Salles de Souza relata que os ônibus da região passam de maneira irregular.
“Com frequência, todos [os ônibus] passam de uma única vez. Tem um momento em que fazem um trajeto parecido, passando pela Avenida do Rio Pequeno. Se você perde eles, fica bastante tempo no ponto esperando a próxima leva de transporte”.
Ela aponta que a região tem poucas opções para o centro da cidade. “As demais opções nos deixam até o metrô. Muitas delas acabam sendo realmente mais demoradas”, completa.
Durante reunião do Comitê de Mobilidade e Transporte do Butantã, os participantes relataram atrasos nas linhas e dificuldades no trajeto, especialmente no sentido Vila Sônia. O ônibus, que deveria passar por volta das 18h50, por exemplo, muitas vezes não é pontual, o que gera uma espera de 40 a 50 minutos entre cada veículo.
Esse longo intervalo entre os ônibus prejudica muitos passageiros, especialmente ao considerar que o mesmo trajeto de carro leva apenas 15 minutos. Em um caso extremo, uma usuária relatou que o ônibus demorou 1 hora e 20 minutos para chegar, o que a fez desistir e optar por um trajeto mais cansativo e com maior quantidade de integrações para chegar em casa.
“A gente fica muito tempo [parado]. Eu pego o ônibus lá no Terminal Vila Yara, é muito tempo, muito desgastante. Várias pessoas ficam reclamando e com razão”, afirma Rosana Aparecida Salles, moradora do bairro há 25 anos, que atua como inspetora de alunos e desloca-se diariamente do Rio Pequeno até Osasco, cidade da Grande São Paulo, para trabalhar.

Coletivo na zona sul de SP. Falta de veículos é principal reclamação de moradores @Daniel Santana/Agência Mural
Rosana comenta ainda sobre a situação aos domingos: “Posso andar gratuitamente, fazer integração, ir para onde eu quiser, mas [se] não tem ônibus, não adianta”, completa.
O cobrador João* atua aos domingos em linhas como a 775V-10 (Rio pequeno/Itaim Bibi) e observa a ausência de linhas alternativas em longos trajetos como um fator prejudicial.
“Há uma demora entre os ônibus da região do Rio Pequeno por vários motivos, mas depende da linha. Às vezes, uma pode demorar menos que a outra por conta do percurso que é longo e não tem nenhuma outra linha de apoio que ofereça um trajeto alternativo”.
De acordo com o Censo 2022 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), 131 mil pessoas vivem no Rio Pequeno. Na zona oeste, que — no mapa de distribuição de ônibus da SPTrans — abrange o Rio Pequeno, Butantã, Jaguaré, Raposo Tavares, Vila Sônia e Morumbi, o número cresce para 523.904 pessoas.
Ainda segundo a SPTrans, cerca de 12 mil ônibus, distribuídos em 1.300 linhas, rodam diariamente na cidade de São Paulo. Aos domingos, o número total de linhas em funcionamento é de 1.032, com 150 desse grupo em operação apenas no período noturno.
A região oeste da capital conta com 93 linhas de ônibus para atendimento do público aos domingos, com 15 destinadas à circulação noturna. A informação foi divulgada por Luciana Durand, chefe de Gabinete da SPTrans, por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI).

Ônibus atravessando da faixa central para a faixa lateral @Gabriela Vasques/Agência Mural
Outras zonas da cidade apresentam uma população maior e, consequentemente, mais linhas para atendimento dos moradores aos domingos.
Na zona norte, que atualmente possui mais de 2 milhões de habitantes, a quantidade de linhas ativas no Domingo Tarifa Zero é de 258, com 42 dessas exclusivas para o período noturno.
Na região leste, com 4 milhões de moradores, são 391 linhas, com 57 noturnas. Na zona sul, de 3.735,554 de pessoas, são 290 linhas, das quais 36 rodam apenas à noite.

O Mapa da Desigualdade de 2023, levantamento realizado pela Rede Nossa São Paulo, revela que o índice de acesso ao transporte de massa (trem, metrô e monotrilho) no Rio Pequeno é um dos piores da capital paulista — o que explica porque, mesmo com um tempo de espera alto e poucas linhas em circulação, a grande maioria dos moradores da região ainda usa ônibus como transporte.
Segundo alguns aplicativos de mobilidade urbana como o Moovit e Google Maps, a partir dos locais mais visitados de São Paulo — como a Avenida Paulista e o Parque Ibirapuera —, apenas 13 das 19 linhas de ônibus que passam pelo Rio Pequeno funcionam aos domingos:
Comparativamente, o número de passageiros que utilizam essas linhas aos domingos cresceu 36,53%. No primeiro semestre de 2023, eram 538.180 pessoas, já no primeiro semestre de 2024, com a implementação da Tarifa Zero, esse número mudou para 734.800, ou seja, 196.620 pessoas a mais. No segundo semestre de 2024, a quantidade aumentou para 783.226 passageiros.
O Domingão Tarifa Zero ultrapassou 200 milhões de passageiros transportados. Segundo a SPTrans, os embarques cresceram 31% desde a implementação da iniciativa, em dezembro de 2023.
Ao analisar a importância do debate do tema, Daniel Santini, doutorando em Planejamento Urbano e Regional pela USP (Universidade de São Paulo) e pesquisador sobre políticas de Tarifa Zero, afirma que a aplicação do programa pode transformar a atual configuração das cidades brasileiras.
“Existe uma segregação espacial grave nos centros urbanos. Há uma parcela da população refém de um custo de deslocamento e isso apresenta desde consequências sociais até econômicas e ambientais”, explica.

Alguns passageiros preferem pegar o ônibus para evitar as falhas do monotrilho e driblar a insegurança @Matheus Oliveira/Agência Mural
Além da integração socioespacial nas cidades, Daniel também aponta a política como uma possível solução para o colapso do transporte público no país.
Segundo dados da prefeitura de São Paulo, 2,9 bilhões de passageiros foram transportados pelo sistema público em 2014, em comparação com os mais de 2 bilhões em 2024. “É uma tendência de queda que se repete nas principais cidades do Brasil”, informa Daniel.
O cenário de queda se dá por fenômenos como o aumento da aquisição de veículos particulares — tanto carros, como motos — e a concorrência com aplicativos de corrida.
Apesar da boa recepção do público, o especialista Daniel Santini ressalta que as plataformas de transporte geram um sistema de mobilidade estruturado na precarização do trabalho: motoristas de aplicativo operam sem vínculos empregatícios e cumprem longas jornadas de trabalho.
Outro importante fator para a previsão de colapso do transporte público é a crise no modelo de financiamento. Na maioria das cidades brasileiras, esse modelo é baseado em concessões públicas para empresas privadas e tarifas pagas pelos usuários.
Para Daniel Santini, esse financiamento tem “um equívoco muito grave”, pois a remuneração das empresas é determinada com base na quantidade de passageiros transportados e não no custo real de operação.
‘A superlotação [dos transportes coletivos] no Brasil não é acaso‘
Daniel Santini, pesquisador da USP
“Se uma operadora de ônibus levar 80 pessoas ou levar 40 pessoas, a variação no custo será insignificante. Mesmo considerando o aumento de paradas e o desgaste de materiais, não acontece uma alteração estruturante do custo”, aponta o pesquisador.
Embora seja uma tentativa de garantir o direito ao transporte, o programa paulistano garante lucros principalmente para as empresas de ônibus. “Se aumenta o uso do transporte, as empresas ganham mais pelo aumento nesses dias”, diz Daniel.
Segundo o especialista, a maneira como a Tarifa Zero aos domingos foi implementada criou uma bomba relógio. Como o Estado paga pelo número de passageiros transportados e não pelo serviço executado, a qualidade do atendimento é comprometida.
“Isso significa ônibus mais lotados, mais dificuldade para quem usa o sistema, uma piora de qualidade, um custo maior para o Estado e, ao mesmo tempo, o Estado está abrindo mão da receita. É uma combinação muito desastrada.”
O Instituto de Defesa dos Consumidores, com o apoio da Coalizão Mobilidade Triplo Zero, organizou um passo-a-passo para a adoção da Tarifa Zero em planos de governo.
O município de São Paulo não segue preceitos considerados essenciais pelas entidades, como o controle de garagens de ônibus e o controle de bilhetagem eletrônica. “Me soa quase como ingênuo pagar por passageiro transportado e deixar a bilhetagem na mão da mesma empresa que gerencia o sistema. Isso abre espaço para distorções”, opina Daniel.
*Reportagem publicada em parceria com a disciplina Legislação em Jornalismo da ECA (Escola de Comunicação e Artes) da USP (Universidade de São Paulo), por meio do professor Vitor Blotta.
Estudantes da disciplina de Legislação do Jornalismo da ECA (Escola de Comunicação e Artes) da USP (Universidade de São Paulo). A publicação é fruto de uma parceria entre Agência Mural e a entidade
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