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Agência de Jornalismo das periferias

Isabela do Carmo/Agência Mural

Por: Isabela do Carmo

Notícia

Publicado em 10.06.2025 | 16:39 | Alterado em 12.06.2025 | 14:45

Tempo de leitura: 5 min(s)

A decisão da Prefeitura de São Paulo de convocar 25 diretores da rede municipal para participarem do programa Juntos Pela Aprendizagem gerou indignação e revolta em comunidades escolares das periferias, como a do CEU EMEF Campos Salles, em Heliópolis, na zona sul de SP.

Anunciada no último dia 23 maio no Diário Oficial, a medida foi tomada sem consulta prévia às escolas e vem sendo criticada por desrespeitar o regimento interno das unidades.

Silvia Regina Rocha, atual diretora do Campos Salles, foi informada do afastamento apenas um dia antes da convocação. “A escola tem gestão democrática, integrada ao território. Agora, terá que receber uma interventora para ‘fiscalizar’ o que acontece aqui. Isso fere nossa autonomia”, diz uma fonte que trabalha na escola e que pediu para não ter o nome revelado por receio de represália.

Cartaz na CEU EMEF Campos Salles @Isabela do Carmo/Agência Mural

Segundo a SME (Secretaria Municipal de Educação), o programa visa requalificar gestores por meio de atividades formativas como análise de dados, seminários e palestras. O cronograma inicial anunciado prevê quatro dias de atividades nas DREs (Diretorias Regionais de Educação) e apenas um nas escolas.

Um dos diretores afastados, que prefere não se identificar, aponta que a decisão contribui para a sobrecarga de trabalho e o acúmulo de funções, comprometendo o tempo e a dedicação às demandas cotidianas das unidades escolares.

“Eu ainda estou com bastante dúvida sobre qual será a nossa função [diretores] nas formações. Nesse único dia em que estaremos nas escolas, me preocupa a quantidade de tarefas burocráticas não possibilitar a interação com as pessoas da escola”, diz.

Bairro Educador é uma das premissas defendidas por Braz Rodrigues, ex-diretor do CEU EMEF Campos Salles @Isabela do Carmo/Agência Mural

Durante o período de formação, os diretores serão substituídos por assistentes de direção indicados pela Prefeitura, que irão atuar como interventores. As críticas apontam que a substituição desrespeita o regimento escolar. Pela legislação, quando um diretor é afastado, a escolha do substituto deve passar pelo conselho escolar.

‘A nossa escola é um projeto urbano, e vamos lutar para que ele continue. Aqui, crianças e adolescentes têm voz, e isso a gente não pode perder’

Isabelly Silva, 14, aluna e presidente do grêmio estudantil

Mais do que um conflito administrativo, a medida acendeu alertas sobre um possível projeto de enfraquecimento da gestão democrática. “Essa intervenção pode servir para justificar a privatização da gestão das escolas. A interventora vai apontar falhas que podem ser usadas para deslegitimar nosso modelo”, alerta a mesma fonte.

Avaliação sob crítica

A SME justificou os afastamentos com base nos resultados do Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) e do Idep (Índice de Desenvolvimento da Educação Paulistana) de 2023. Segundo o Mapa da Desigualdade, divulgado em abril de 2025 pela Rede Nossa São Paulo, 45 distritos da capital registraram médias do Ideb abaixo da nacional, de 5.

Entre os piores índices estão Ipiranga (4,0), Bela Vista (4,3) e Vila Leopoldina (4,4). O CEU EMEF Campos Salles, apesar de não ter o pior desempenho do distrito, foi a única escola do Ipiranga selecionada para o programa.

“O Ideb ignora a evasão escolar e a vulnerabilidade dos territórios. Não considera, por exemplo, crianças que chegam cansadas porque passaram a noite acordadas por conta do baile na comunidade. Uma nota não mede isso”, diz outro educador, que pediu para não ser identificado.

Alunos se mobilizam contra afastamento da diretora do CEU EMEF Campos Salles II
Varal com mensagens de protestos contra medida de afastamento dos diretores escolares
Cartazes foram espalhados pela escola
CEU EMEF Campos Salles valoriza o protagonismo estudantil

Alunos se mobilizam contra afastamento da diretora do CEU EMEF Campos Salles II @Isabela do Carmo/Agência Mural

Varal com mensagens de protestos contra medida de afastamento dos diretores escolares @Isabela do Carmo/Agência Mural

Cartazes foram espalhados pela escola @Isabela do Carmo/Agência Mural

CEU EMEF Campos Salles valoriza o protagonismo estudantil @Isabela do Carmo/Agência Mural

No último dia 27 de maio, a comunidade escolar se mobilizou em um ato público contra a intervenção na gestão da unidade. A manifestação contou com a participação de alunos, professores, funcionários, lideranças comunitárias e moradores da região. Eles se reuniram em defesa da autonomia escolar, da democracia na educação e do direito à participação ativa nas decisões que afetam o cotidiano da escola.

Após a mobilização das comunidades escolares, a SME se reuniu no último dia 29 de maio com o Sindsep (Sindicato dos Servidores Municipais de SP) e a Aprofem (Sindicato dos Professores e Funcionários Municipais). Como resultado, decidiu revisar a metodologia do programa.

Sara Fonseca, 21, estudante de publicidade e propaganda, participou da manifestação na escola @Isabela do Carmo/Agência Mural

Na data, a informação era de que a capacitação seria mantida, mas construída em diálogo com os diretores e conselhos escolares, inclusive na escolha dos novos assistentes de direção.

No entanto, na última sexta-feira (6), nova publicação no Diário Oficial determinou novamente o afastamento dos diretores, nos mesmos termos da decisão de 23 de maio. O interventor seguirá sendo indicado pela DRE, mas apenas em diálogo com os diretores, sem participação dos conselhos escolares. Contrariando o acordo anterior, que previa escolha conjunta com esses conselhos.

Lei antecipava o cenário

A medida encontra respaldo na Lei nº 18.221/2024, sancionada pelo prefeito Ricardo Nunes (MDB), em dezembro. A legislação permite que diretores de escolas com desempenho considerado insatisfatório sejam submetidos a formações obrigatórias, acompanhamento técnico e até transferência de unidade.

Para muitos, a lei já antecipava um movimento de substituição e controle da gestão escolar, sobretudo em escolas com modelos democráticos, enraizadas no território e voltadas à diversidade e inclusão.

O cronograma também foi definido na data, integralmente pela SME, sem participação da comunidade escolar. A secretaria informou que as oportunidades de diálogo ocorrerão apenas no percurso formativo, exclusivo aos seus participantes.

As formações para os diretores ocorrerão de junho a dezembro de 2025, com encontros presenciais e atividades nas DREs, na SME e nas unidades educacionais.

Entre o final de 2007 e início de 2008, os muros internos da escola foram derrubados para dar espaço às salas de aula integrativas @Acervo Unas

Projeto pedagógico sob ameaça

Em 1995, Heliópolis enfrentava um cenário de violência e abandono. A EMEF Campos Salles, então rotulada como “escola de favelados e marginais”, refletia essa realidade. Foi nesse contexto que Braz Rodrigues, 73, assumiu a direção e iniciou uma transformação pedagógica. Ele comandou a unidade entre 1995 e 2017.

As salas deixaram o modelo tradicional. Carteiras enfileiradas foram substituídas por mesas em círculo, promovendo aprendizado coletivo. A escola passou a valorizar o protagonismo estudantil, a escuta e a formação crítica – e hoje é reconhecida pela Unesco por esse trabalho.

Entre 2007 e 2008, os muros internos foram derrubados. Doze salas viraram cinco grandes salões com roteiros multidisciplinares. A gestão democrática tornou-se referência: alunos elegem representantes e integram uma comissão mediadora com autonomia para resolver conflitos.

‘Nossa escola é um centro de liderança na favela de Heliópolis. Isso é potente’

Braz Rodrigues, ex-diretor da escola

Para Rodrigues, o afastamento da diretora, mesmo sem pior desempenho no distrito, revela um projeto político de enfraquecimento das experiências democráticas.

Além disso, o ex-diretor afirma os critérios de seleção são questionáveis. “Esses índices não medem o essencial: participação, autonomia, solidariedade, clima formativo. É uma justificativa rasa.”

O que diz a SME

Questionada sobre os critérios para o afastamento dos diretores, os detalhes da formação oferecida, os motivos de ser exclusiva para diretores e a razão da decisão ter sido tomada no meio do segundo bimestre, e não ao final do semestre letivo, a SME respondeu apenas que “esses profissionais atuam há pelo menos 4 anos em unidades prioritárias, selecionadas devido ao desempenho obtido no Ideb e Idep de 2023.”

Segundo a gestão foram escolhidas escolas que tiveram notas entre 4.3 e 4.9 do Ideb e Idep. A pasta afirma que os 25 diretores foram “convidados” para participar e que “a capacitação tem como objetivo o aprimoramento da gestão pedagógica para melhorar a aprendizagem de todos os estudantes.”.

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Isabela do Carmo

Jornalista e pós-graduanda em Direitos Humanos e Lutas Sociais pela UNIFESP (Universidade Federal de São Paulo). É correspondente de Heliópolis desde 2023.

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