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Agência de Jornalismo das periferias

Por: Isabela do Carmo

Notícia

Publicado em 17.04.2025 | 10:09 | Alterado em 17.04.2025 | 10:28

Tempo de leitura: 4 min(s)

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Nascida e criada em Heliópolis, na zona sul de São Paulo, Caroline Barbosa, 30, frequenta a Biblioteca Comunitária de Heliópolis desde os 14 anos. Ela vê a trajetória pessoal e profissional entrelaçada com as influências adquiridas no espaço.

Atriz, educadora popular e mestranda em museologia pela USP (Universidade de São Paulo), Carol se ofereceu voluntariamente para dar aulas de teatro e oficinas de contação de histórias para crianças e jovens da favela e região.

“Meu objetivo era mostrar aos jovens que o mundo é muito maior do que eles imaginavam”, diz. “Em Heliópolis é fácil construir algo coletivo. Aqui, a favela é um lugar que respira arte e cultura. Criamos nossa própria referência cultural.”

A história de Carol é apenas uma das vivenciadas no espaço, onde a comunidade tem buscado meios de existir.

Carol Cax dando oficina de contação de história às crianças @Cindy Tavares/Divulgação

Localizada na maior favela de São Paulo, o espaço coletivo foi criado há 20 anos pela UNAS (União de Núcleos, Associações de Moradores de Heliópolis e Região).

São mais de 13 mil obras, com um acervo voltado, principalmente, para os direitos humanos e a cidadania. A entidade depende de doações de parceiros, contribuições da comunidade e recursos provenientes de editais. Em 2023, foram quase dez meses fechada para reformas no espaço.

Ângela Ferreira, 60, coordenadora de projetos da UNAS, conta que uma das principais dificuldades enfrentadas pela biblioteca é não ter um financiamento contínuo.

‘A biblioteca depende de ganhar editais e formar parcerias para sobreviver, mantendo suas atividades ano após ano’

Ângela Ferreira, coordenadora

A ausência de leis de incentivo tem deixado as bibliotecas comunitárias à mercê da insegurança quanto à continuidade do trabalho a longo prazo.

DESAFIO NACIONAL

Na segunda edição da pesquisa da PBL (Periferia Brasileira de Letras): “Coletivos Literários nas Periferias Brasileiras: Um Retrato” – promovida pela Fiocruz e pela Sefli (Secretaria de Formação, Livro e Leitura) do Ministério da Cultura, apenas 26% dos 296 coletivos literários entrevistados acessam recursos provenientes de leis de incentivo para garantir a continuidade de suas atividades, enquanto 60% sobrevivem por meio da constante participação em editais.

Foram analisados coletivos literários de estados como Amapá (AP), Bahia (BA), Ceará (CE), Minas Gerais (MG), Pará (PA), Pernambuco (PE), Rio de Janeiro (RJ), Rio Grande do Sul (RS) e São Paulo (SP), além do Distrito Federal.

Segundo a pesquisa da PBL, 45% dos coletivos indicaram que a demanda mais urgente para o pleno funcionamento de suas atividades é a remuneração dos recursos humanos. Sem a verba necessária, a atuação dos espaços literários encontra obstáculos que limitam o crescimento territorial e seu alcance de impacto.

De Shakespeare a Agatha Christie

Carol conheceu a biblioteca quando ingressou nas aulas de teatro no CEU Meninos, localizado no bairro São João Clímaco, vizinho de Heliópolis.

“Lá, precisávamos ler dramaturgias, e isso despertou em mim um interesse profundo pela leitura. Foi dentro do CEU que conheci um garoto que me falou sobre a biblioteca”, lembra ela que morava na outra ponta da favela, distante do prédio localizado no centro da comunidade.

A biblioteca passou a ser uma ponte para a leitura de obras fundamentais para o estudo do teatro, de autores como William Shakespeare, Ésquilo, Gil Vicente, Martins Pena e Agatha Christie.

“Ainda bem jovem, eu chegava à biblioteca em busca de ler Hamlet, peça escrita por Shakespeare, e outros autores que os professores indicavam nas aulas de teatro. Me encantei”, diz.

Além disso, a moradora de Heliópolis conta que via na biblioteca um refúgio seguro para o aprendizado. Embora a escola pública onde estudou, localizada no município de São Caetano do Sul, também tivesse uma biblioteca, ela nunca se sentiu à vontade para frequentá-la.

Ela vê o espaço como o local proporcionou uma conscientização política e social, sendo um ambiente de aprendizado em meio ao cenário de abandono educacional.

‘Na minha escola, havia muitas aulas vagas, o que não se deve entender como algo isolado, mas sim como parte do abandono que as escolas públicas enfrentam, especialmente nas periferias’

Carol Barbosa, atriz e colaboradora da biblioteca

Com o ensino médio concluído e a vida adulta à espera, Carol recorreu às obras literárias da biblioteca para estudar, de forma independente, para os vestibulares. Em 2011, no entanto, ela não conseguiu alcançar a nota necessária para ser aprovada em um curso superior.

Carol aponta que a biblioteca foi fundamental no aprendizado dela @Arquivo Pessoal

Diante disso, passou a trabalhar na confecção de peças da CM Esporte, um negócio familiar especializado na produção de camisas para times de futebol de várzea. Paralelamente, se dedicou à sua paixão pelo teatro, ingressando na Companhia de Teatro Heliópolis.

“Vivi anos de teatro, recebendo salário e viajando com a companhia. Mas, em 2017, consegui ingressar em Filosofia na USP”, conta.

Ela tirou 910 na redação do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), estudando apenas com as obras da biblioteca. “Foi quando caiu a minha ficha: o envolvimento com a biblioteca e com o teatro foi o que me possibilitou chegar lá. Desenvolveu minha consciência de escrita e crítica também”, reflete.

Foi quando decidiu atuar na entidade.

Biblioteca viva

Como coordenadora, Ângela incentiva o uso da biblioteca entre os jovens, com o objetivo de desmistificar e promover a ocupação do espaço literário, buscando contrabalançar a imersão tecnológica e o uso de celular que envolve as crianças e os jovens atualmente. Para isso, aplica o conceito de “biblioteca viva”.

“A biblioteca é um espaço vivo, que vai se adaptando às necessidades da comunidade, conforme as demandas vão surgindo”, conta.

Biblioteca reúne 13 mil obras
Angela atua na biblioteca que já tem 20 anos
Reinauguração da Biblioteca Comunitária de Heliópolis, com apresentação da coordenadora Angela Ferreira
Carol dando oficina de contação de história às crianças, na biblioteca antes da reforma
Carol dando oficina de contação de história aos idosos, na biblioteca antes da reforma
Carol dando oficina de contação de história às crianças, na biblioteca antes da reforma

Biblioteca reúne 13 mil obras @Isabela do Carmo/Agência Mural

Angela atua na biblioteca que já tem 20 anos @Isabela do Carmo/Agência Mural

Reinauguração da Biblioteca Comunitária de Heliópolis, com apresentação da coordenadora Angela Ferreira @Douglas Cavalcante/Divulgação

Carol dando oficina de contação de história às crianças, na biblioteca antes da reforma @Arquivo Pessoal

Carol dando oficina de contação de história aos idosos, na biblioteca antes da reforma @Arquivo Pessoal

Carol dando oficina de contação de história às crianças, na biblioteca antes da reforma @Arquivo Pessoal

Hoje, além dos empréstimos de livros, o espaço oferece atividades como oficinas de dança e mediação de leitura coletiva. “Isso atrai muitas crianças”, diz.

Os públicos variam. Há jovens que se interessam pelas HQs (histórias em quadrinhos) e também atividades com a terceira idade. “Resgatamos um pouco da memória dos nossos ancestrais, e os idosos também compartilham suas próprias vivências e histórias que ouviram ao longo da vida”, explica.

Além disso, Ângela observa a falta de acesso ao letramento e à alfabetização nas periferias. Por isso, ela propõe que a biblioteca seja um espaço que vá além da literatura, oferecendo também atividades culturais.

“Oferecemos aulas de culinária, costura, capoeira e balé, além de abrigar oficinas de contação de histórias e servir como um local para a execução de outros projetos da UNAS”, destaca a coordenadora.

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Isabela do Carmo

Jornalista e pós-graduanda em Direitos Humanos e Lutas Sociais pela UNIFESP (Universidade Federal de São Paulo). É correspondente de Heliópolis desde 2023.

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