Raphaela Guimarães/Agência Mural
Por: Raphaela Guimarães
Notícia
Publicado em 28.08.2025 | 14:57 | Alterado em 28.08.2025 | 14:57
A escola estadual Jardim Dom Angélico é a única nos bairros Jardim Vitória e Vila Yolanda II, em Cidade Tiradentes, no extremo leste de São Paulo. Apesar da cobrança de moradores há mais de 30 anos por novas unidades, a ausência de escolas do ensino fundamental 2 (do 6° ao 9° ano) e do ensino médio obriga os jovens a percorrer longas distâncias diariamente para estudar.
Laís Raquel, 10, e Heloisa, 11, alunas do 5º e 6º ano, precisam percorrer cerca de 2,4 km todos os dias até a escola. Em condições ideais, o trajeto leva cerca de 30 minutos.
“Se chegar atrasada a professora briga. A gente acorda muito cedo, às 5h30, e eu fico bastante cansada. Se tivesse uma escola aqui no Jardim Vitória, eu não iria precisar me preocupar tanto”, reflete Heloisa, que quer ser empreendedora, enquanto Laís sonha em cursar o ensino superior e se tornar uma veterinária.

Laís e Heloísa vão de carro com o pai todos os dias para conseguir chegar a tempo na escola @Raphaela Guimarães/Agência Mural
Apesar de terem acesso ao Bilhete Único com passe livre estudantil garantido pela Lei nº 58.639/2019, as meninas enfrentam dificuldades para chegar no horário. Nos períodos de pico, entre 6h e 8h da manhã, com o trânsito intenso, elas frequentemente não conseguem chegar a tempo.
O segurança patrimonial Agnaldo Bernadino, 40, é quem se responsabiliza por levá-las à escola diariamente. “Meu carro é uma picape e só tem dois lugares, então uma vai sentada no colo da outra porque, se for depender da condução, não dá”, conta.
Segundo ele, o ônibus 3768-10 passa a cada 25 minutos e leva mais 45 para chegar. “Muitas vezes elas iam para o ponto, pegavam o ônibus e, quando chegava, o portão da escola já estava fechado”, relata.
‘O Jardim Vitória está praticamente esquecido. A esperança é que coloquem uma escola aqui algum dia. Porém, até o momento, a atenção é quase zero aqui para o bairro’
Agnaldo, segurança patrimonial

A linha Estação José Bonifácio tem atrasos frequentes, segundo as alunas. Por ser a única opção, os adolescentes costumam ir a pé para a escola @Raphaela Guimarães/Agência Mural
Felipe e Valmir, ambos de 16, são alunos do 2º ano do ensino médio no período da manhã, na escola estadual Claudia Dutra Viana Professora. Todos os dias, caminham cerca de 40 minutos, entre ida e volta, para chegar à escola dentro do horário.
“Onde eu moro não é asfaltado, então, em dias de chuva forte, eu não vou para escola porque não tem como chegar na escola limpo e seco”, diz Felipe.
“A gente chega atrasado, cansado, e os diretores ficam falando ‘um monte’, como se fosse nossa culpa o ônibus ter atrasado”, desabafa Valmir.

Os estudantes caminham neste trecho sem pavimentação da Avenida Inácio Monteiro para chegar na escola @Raphaela Guimarães/Agência Mural
Após 30 anos, os moradores aguardam a chegada da primeira escola municipal. Desde o ano passado, foi anunciada o construção do CEU Vila Yolanda, atualmente em licitação por R$ 119,1 milhões. No entanto, o projeto não resolve todas as demandas, já que a unidade não deve oferecer ensino médio, etapa que continua sem oferta no bairro.
O projeto foi divulgado durante a campanha à reeleição do prefeito Ricardo Nunes, em 2024, e, desde então, já sofreu atrasos: anunciado pela Prefeitura com prazo de 12 meses para conclusão, teve a licitação republicada em agosto deste ano, sem data prevista para o início.

Jovem percorre mais de 2km todos os dias para estudar @Raphaela Guimarães/Agência Mural
Em 2008, durante uma campanha eleitoral, representantes do poder público foram ao Jardim Vitória para ouvir a população. Celma Simões, 48, lembra que a pesquisa perguntava se a prioridade deveria ser a construção de escolas ou de creches. “Na época, todos escolheram a creche porque não havia nenhuma”, relata.
Segundo ela, a Prefeitura atendeu à demanda, mas a construção de escolas nunca voltou à pauta. A ausência de escolas do ensino fundamental 2 (do 6° ao 9° ano) e do ensino médio nos dois locais obriga os jovens a percorrer longas distâncias diariamente para estudar.
Segundo o Mapa da Desigualdade de 2024, produzido pela Rede Nossa São Paulo, Cidade Tiradentes ocupa a 86ª posição no ranking de mobilidade entre os 96 distritos de São Paulo.
O Jardim Vitória é atendido por apenas uma linha de ônibus, a 3768-10 Estação José Bonifácio, que circula também por outras regiões como a Vila Yolanda II, Jardim Pérola II e Av. Inácio Monteiro.
Na Vila Yolanda II, tem outras duas linhas de ônibus: a Estação Guaianases CPTM 3026-10 e o Metalúrgicos 4017-10. Mesmo assim, há superlotação nos horários de entrada e saída das escolas.
Para os estudantes do período noturno, o cenário é ainda mais crítico. Além da distância das escolas e os constantes atrasos da linha de ônibus Estação José Bonifácio, somam-se os riscos de assaltos e da espera em pontos mal iluminados.
“Não adianta nada ter bilhete único, porque não tem ônibus. Assim que saímos da escola temos que ficar mais de 30 minutos no ponto até chegar um. Quando você vê, já foi assaltado”, afirma Bruna Santos, 17, aluna do 3º ano do ensino médio no período noturno da escola estadual Oswaldo Gagliardi.
O professor Luciano Nunes, 30, afirma que o deslocamento influência no desempenho em sala. “O estudante chega um pouco cansado e agitado, levando um tempo para entender a dinâmica da aula, captar a sintonia da sala e entrar no ritmo”, explica o educador da escola estadual Jardim Wilma Flor e morador da Vila Yolanda II.
“Até se afinar com o grupo, às vezes, já terminou a aula, gerando um impacto negativo naquele momento.”, relata.
“Em dias de chuva, o planejamento é alterado, visando não prejudicar os estudantes. Por exemplo, se eu fizer uma atividade escrita e chove. Logo, remarco a atividade, pois não posso prejudicar os alunos”, completa.

Estudantes enfrentam longas jornadas para chegar a unidade escolar @Raphaela Guimarães/Agência Mural
Segundo o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) (Lei nº 8.069), toda criança e adolescente tem direito à educação pública e gratuita, preferencialmente próxima de casa, além da garantia de igualdade de condições para acesso e permanência na escola.
Para Luciano, a falta de escolas é alarmante, afetando a segurança de crianças e jovens. “Considerando as vulnerabilidades que meninas são expostas, por exemplo, ou os riscos que as avenidas oferecem com travessias sem sinalização adequada e a falta de educação de trânsito, uma escola se faz necessária para o bairro”, pontua.
“A gente faz o possível, mas parece que escola pública só chega nos lugares onde já tem tudo. Aqui, ficamos por último”, resume Agnaldo.
Procuradas pela Agência Mural, a SMT (Secretaria de Mobilidade e Transportes) e a SPTrans informaram que intensificaram a fiscalização nas linhas que atendem os bairros Vila Yolanda II e Jardim Vitória.
Segundo o órgão, durante o mês de maio, às linhas 3026/10, 3768/10 e 4017/10 foram autuadas 29 vezes cada por não cumprirem a programação de viagens, o que gerou intervalos acima do previsto.
As concessionárias responsáveis, Transunião e Express, foram convocadas para uma reunião e deverão responder por descumprimento contratual.
Em nota, a Secretária de Educação informou que todos os estudantes têm direito a uma vaga na rede pública. “Quando não há disponibilidade na escola mais próxima, são direcionados a outras unidades. Caso a distância ultrapasse 2 km, é oferecido transporte escolar gratuito, conforme a Resolução Seduc nº 27.”
A pasta afirmou ainda que a construção de novas unidades segue critérios técnicos com base na demanda e no crescimento populacional. No entanto, não respondeu especificamente sobre a falta de escolas nos bairros.
Enquanto aguardam políticas públicas que priorizem educação e mobilidade, os jovens da Cidade Tiradentes seguem lidando com os desafios para exercer o direito mais básico: aprender.
Jornalista, pós graduada em Marketing pela USP e mãe de um menino. Apaixonada por comunicação com propósito, busca promover justiça social através da informação. Ama contar histórias que inspiram e gerar mudanças positivas.
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