Tânia Rego/ Agência Brasil
Por: Henrique Pereira de Jesus
Crônica
Publicado em 13.05.2025 | 12:07 | Alterado em 13.05.2025 | 12:07
“Será que já raiou a liberdade ou se foi tudo ilusão? Será, ô, será que a Lei Áurea tão sonhada, há tanto tempo assinada não foi o fim da escravidão?”.
Com esses versos, a escola de samba Estação Primeira de Mangueira iniciou o samba-enredo “100 Anos de Liberdade, Realidade ou Ilusão?”, do carnaval de 1988. Naquele ano, se comemorava o 100° aniversário da assinatura da Lei Áurea, que libertou, juridicamente, a povo negro da escravatura.
Passados 37 anos do desfile, as mesmas perguntas da canção seguem ecoando no país – e ainda mais forte nas periferias.
Infelizmente, a população negra periférica ainda não tem o sol da liberdade ao seu alcance. O direito de ir e vir foi dado, mas integralmente? O Mapa da Desigualdade de 2022 mostrou que os 15 distritos de São Paulo com mais de 50% dos moradores autodeclarados negros ficam em regiões periféricas da cidade. Já o Censo 2022, divulgado pelo IBGE, revelou que pretos e pardos representam 72,9% dos moradores de favelas do Brasil.
Não que morar nas periferias seja um problema para nós, pessoas negras. Pelo contrário, as vezes são nesses espaços que a gente se sente acolhido e que a nossa negritude se floresce. Porém, a segregação e a falta de acesso a direitos básicos e cotidianos nos esmagam.
Esta realidade ficou explícita com a morte de Lourivaldo Ferreira Silva Nepomuceno, 35, que ficou preso entre o trem e a plataforma na estação Campo Limpo, da Linha 5- Lilás do metrô de São Paulo, no último 6 de maio. Quando é preciso arriscar a vida para entrar no coletivo lotado, podemos dizer que a população negra tem liberdade de transitar pela cidade?
Lourival foi vítima de um sistema que esmaga a negritude diariamente. Aquela que precisa acordar antes do sol nascer e trabalhar quase 10h por dia, indo e vindo em ônibus e vagões sem espaço nem para respirar. A negritude que tem sua liberdade debochada quando a prefeitura de São Paulo reduz a frota de ônibus em quase 800 coletivos, tomando por base o mês de outubro de 2024 em comparação com o período pré-pandemia.
Uma negritude que vê seu tempo de deslocamento por transporte público chegar a 2h47 por dia na capital paulista, segundo a Rede Nossa São Paulo – mais tempo fora de casa do que no próprio lar, atravessando uma das maiores cidades do mundo para ganhar o pão de cada dia.
Falta liberdade quando apenas 11,2% da população negra tem o curso superior completo, segundo o Censo 2022. Falta liberdade quando sete a cada dez pessoas negras vivem em lares sem descarte adequado de esgoto, também de acordo com o Censo. Falta liberdade quando 77% dos assassinatos no país em 2023 foram de pessoas negras, como mostra o Atlas da Violência.
No final das contas, é a negritude que ainda carrega nas costas as principais mazelas do “mundo cão” que a gente vive, como diria Emicida. Os dados evidenciam tudo, mas os anos de escravatura e uma liberdade fajuta muias vezes faz com que o povo negro não consiga ver sua associação com a raça.
Ainda bem que cresce nos últimos anos a consciência sobre a importância da população negra, em sua maioria das favelas, para esse país. Há uma luta cada vez maior pela liberdade do povo negro, mas ainda há muito trabalho pela frente.
“Moço, não se esqueça que negro também construiu as riquezes do nosso Brasil”, lembra o samba da Mangueira. Vamos seguir com olhar atento para a importância do povo negro para esse país e para a luta pela verdadeira liberdade, com dignidade, saúde e vida.
Axé!
Fontes: G1, Valor Econômico, Agência Mural, TV Cultura, Globo e G1
Jornalista formado pela PUC-SP. Com passagens pela TV Globo e CNN Brasil. Atualmente é repórter da TV Cultura e Muralista com muito orgulho. Correspondente do Rio Pequeno desde 2023.
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